Isso é um desabafo honesto. Está certo que todos que me conhecem sabem que sou uma grande amante de arte, de todos os seus tipos. A música nem chega a ser algo que amo, é parte de quem eu sou. Porém, a pintura e as grandes obras sempre me chamaram atenção. A maior parte dos lugares que quero muito visitar envolvem museus e galerias de arte; quando chego a um novo lugar são estes mesmos locais que procuro saber onde estão e o que têm. Assim, quando tive a oportunidade de viajar a Paris há pouco mais de um mês, todos os dias do roteiro continham ao menos um museu (ou catedral, ou local proeminente no tema) e eu estava muito empolgada.
É claro que não fiquei decepcionada em nenhum momento. Fui até surpreendida demais – ver as obras dos maiores artistas da história da arte europeia, conhecer outros artistas e movimentos, descobrir novos estilos… ah, e maior de todas, me apaixonar por esculturas. Tudo isso foi grandemente observado e absorvido no Louvre, no palácio de Versailles, no Orsay, no Orangerie, na Sacre Coeur, no Jardim de Luxemburgo, na saudosa catedral de Notre Dame, e até na simplicidade da Place du Tertre.
Porém, uma coisa sim me incomodou e surpreendeu. Enquanto andava pelos infindáveis caminhos do Louvre e pelas infinitas salas do Orsay: quanta tristeza carrega a arte. Não deve ser um chute muito alto de que metade das obras retratam guerras, martírios, perseguições, assassinatos, pessoas canonizadas mortas injustamente, sofrimento de povos e de pessoas oprimidas; isso fora questões pessoais esboçadas pelos artistas que escolheram retratar nosso self. Para um dia, foi okay, mas após alguns dias isso me agoniava. Principalmente porque ao me perguntar a razão de tanta concentração nessa tristeza, notei que a humanidade tem uma triste história, a qual se repete com diferentes abordagens, mas dentro dos mesmos parâmetros de sede de poder e da corrida dos egos.
Terminada a estadia em Paris, fui a Bordeaux, onde seria o congresso do qual deveria participar. Após os dias de intensa ocupação, hora de explorar a cidade e, como de costume, fui ao museu de arte da cidade. O que encontrei foram mais e mais pinturas retratando dor e sofrimento (parecia ainda mais que o usual); não sei se foi um julgamento parcial, mas senti até uma hostilidade na vibe daquele museu. Saí de lá pesada e chateada por estar tão incomodada e sobrecarregada (leia-se, overwealmed) por uma das coisas que eu mais gosto.
Julguei que talvez fosse hora de dar uma trégua para a tal arte [excetuando a música, é claro] – o que fica bem difícil quando você é professora justamente de “artes finas”. Outra conclusão estranha foi a de que eu não queria mais “brisar” (maldito termo que costumeiramente usamos para descrever nosso ato de refletir ou pensar, algo que deveria ser tão normal mas quase achamos estranho ou loucura). Óbvio que deve ser muito mais tranquilo ver uma exposição de arte sem interagir com ela, apenas olhar, fotografar e dar seu “check”. É claro que eu não conseguia fazer isso, estava sempre envolvida e acabava pensando sobre todo seu contexto. Além de me cansar demais meu cérebro, esgotei minhas emoções.
Verbalizei a frase “eu cansei de brisar” para um amigo e ele reagiu tão surpreso que tive certeza de que algo estava errado comigo. Não porque eu não queria mais brisar, as porque não era possível que aquela atividade me definisse a ponto de eu não ser reconhecida ou considerada eu mesma na falta dela. Precisava de uma pausa para coisas bem concretas, para objetividade para simplesmente explicar aquilo que é abstrato na simplicidade do que é, para dizer que se sente sem teorizar, sem buscar as respostas obscuras mas vê-las empiricamente. Era cansaço.
Voltei ao Brasil diretamente para a minha rotina e tudo isso ficou guardado numa caixa. Eventualmente, voltando às fotos daqueles passeios, notei que aquele mal estar havia se esvaído; o trauma, talvez não. Chegou o dia da excursão de meus alunos para o MASP, meu lugar preferido de São Paulo. Estava empolgada, tendo em vista as exibições ativas, mas ainda encontrava uma seqüela de toda aquela sensação do excesso de arte na viagem. Foi ali que me redimi.
A tenra, singela e honesta arte de Djanira me cativou. Eu a desconhecia, mas ao ver seus retratos das cenas urbanas coletivas culturais de tantos locais do Brasil, senti alegria, principalmente nos retratos de Salvador. Lina Bo Bardi já era de grande admiração minha, sua criatividade arquitetônica e coragem uma inspiração. Tarsila! Ah, que sonho! Sua principais obras ao vivo – a diversidade de traços, a antropofagia, a semana da 1922, as cenas humanas, tão humanas, eu quase chorando de uma emoção feliz. Por último, uma exibição grande que misturava o acervo do próprio MASP e do MoMA de Chicago. Mas aqueles outros três andares, tão bem sediados por coleções de obras de mulheres – aquilo não teve preço. Me senti abraçada novamente pela arte. Ganhei alguma fé de volta em ser humana, em ser gente, em fazer parte de um todo.